1939-2008

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Um problema

O problema detectado por Kenneth Rogoff no mercado alimentar está em como tudo revolve em torno do prazer e do dinheiro: a indústria que produz o que comemos procura os melhores sabores; mas nem sempre os nutrientes são os melhores, pelo que acabamos por engrossar as filas dos hospitais, parte deles privada; a indústria farmacêutica também ganha com isto, podendo receitar-nos algo que tratará do que apenas obtivemos porque ingerimos porcarias; e claro, pelo meio há os marketeers, que vivem de abrilhantar a realidade.

O problema detectado por David Owen noutros mercados, como o das lâmpadas e o dos aviões, é que quanto mais eficiência é conseguida, e quão mais sustentáveis são os produtos que nos estão disponíveis, também tendencialmente são mais baratos. Logo, a procura aumenta e consequentemente a oferta ajusta-se. Resultado? A maior sustentabilidade inicial resulta em menor sustentabilidade futura. Com muito marketing pelo meio, trata-se de criar necessidades ao consumidor.

Já sabemos que se mais umas dezenas de países consumissem como os Estados Unidos e a China o mundo não seria sustentável nem a curto prazo. E no entanto continuamos a permitir que este “capitalismo coronário” (expressão de Rogoff) nos encaminhe para um beco. Se haverá saída ou não é ainda difícil saber, mas que as necessidades dos consumidores terão de ser reajustadas parece inevitável.

Nobody, not even the rain, has such small hands

Poema de E. E. Cummings citado no belo filme Hannah and her Sisters:

Somewhere I have never travelled, gladly beyond
any experience, your eyes have their silence:
in your most frail gesture are things which enclose me,
or which I cannot touch because they are too near.

Your slightest look easily will unclose me.
Though I have closed myself as fingers,
you open always petal by petal myself as Spring opens
(touching skilfully, mysteriously) her first rose.

Or if your wish be to close me, I and
my life will shut very beautifully, suddenly,
as when the heart of this flower imagines
the snow carefully everywhere descending;

nothing which we are to perceive in this world equals
the power of your intense fragility: whose texture
compels me with the color of its countries,
rendering death and forever with each breathing.

(I do not know what it is about you that closes
and opens; only something in me understands
the voice of your eyes is deeper than all roses)
Nobody, not even the rain, has such small hands.

Ponto de partida

O primeiro-ministro continuará a aplicar austeridade “custe o que custar” para que atinjamos os fins. A receita é explícita, mas a premissa – os graus relativos na sua aplicação – não é consensual. Querem algo consensual? André Freire (Público, 8/2) explica:

“Estou convencido de que os portugueses poderiam admitir, perante situações excepcionais, alguma compressão de remunerações/de direitos fundamentais, desde que a percebessem como justa (porque atingindo todos os cidadãos sem excepção, apenas tendo em conta a situação económica e social de cada um) e transitória. Nada disto se passa com as medidas do Governo (que isentou os rendimentos de capital, os trabalhadores do sector privado, etc., destes sacrifícios)”

Relvas

O ramalhete começa a compor-se: direcção da rádio pública acaba contratos de cronistas sem pré-aviso após críticas, no programa deles, a frete da televisão pública ao governo angolano. Governo português mete a mão na RDP para impedir que se hostilize empresa angolana (próxima do governo do seu país), que tem interesse na privatização da RTP. Mas está tudo bem: a imprensa de serviço público serve para promover “a aproximação dos países lusófonos”, não para “insultar chefes de estado lusófonos”. E não, “não se discute a liberdade de imprensa”.

Como Pilar conheceu José

“I traveled looking for the Lisbon of Ricardo Reis of the 1930′s,” del Rio told me, referring to one of Pessoa’s pen names and the main character of Saramago’s The Year of the Death of Ricardo Reis. “But that obviously didn’t exist anymore. Ricardo Reis didn’t show up, but José Saramago did. We walked through streets full of past and history, we followed the talks of the book and for many hours we had the feeling of being out of time, living another reality”.

E para César não há nada nada nada

O Vaticano, ali tão perto, continua a vincar o “a César o que é de César, a Deus o que é de Deus” como prova da superioridade metafísica do cristianismo. Mas nos confessionários italianos pode-se trocar, com uma dúzia de avé-marias, o pagamento de uma dívida ao Fisco por um generoso donativo à Igreja. Os ricos não passarão o portão celestial, a menos que estejam endividados.

No limite

A linha acaba de ser delimitada. De um lado temos o primeiro-ministro de um “governo responsável” que fará austeridade “custe o que custar”; do outro o líder de uma “oposição responsável”, Seguro, que “não consegue imaginar mais medidas de austeridade”, apenas incentivo ao crescimento. Um está disposto a retalhar-nos até ao tutano para obter receitas, sem os olhos no futuro; o outro diz que, mesmo estando em causa as próximas prestações do empréstimo balão de oxigénio, terá os olhos/subsídios postos apenas no horizonte que vê para lá do pântano. A linha foi traçada, as trincheiras escavadas. Iludidos há-os aos montes; moderados, nem vê-los.